quarta-feira, 13 de maio de 2009

Uma criatura

Sei de uma criatura antiga e formidável,
Que a si mesma devora os membros e as entranhas,
Com a sofreguidão da fome insaciável.
Habita juntamente os vales e as montanhas;
E no mar, que se rasga, à maneira de abismo,
Espreguiça-se toda em convulsões estranhas.
Traz impresso no fronte o obscuro despotismo.
Cada olhar que despede, acerbo e mavioso,
Parece uma expansão de amor e de egoísmo.
Friamente contempla o desespero e o gozo,
Gosta do colibri, como gosta do verme,
E cinge ao coração o belo e o monstruoso.
Para ela o chacal é, como a rola, inerme,
E caminha na fera impertubável, como
Pelo vasto areal um vasto paquiderme.
Na árvore que rebenta o seu primeiro gomo
Vem a folha, que lento e lento se desdobra
Depois a flor, depois o suspirado pomo.


machado de assis
exposição no museu da língua portuguesa - são paulo - 2008

Um comentário:

Flor de Bela Alma disse...
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