domingo, 22 de junho de 2008

RECORDAR É INVENTAR
Fabrício Carpinejar

Eu não fiz pesquisa de mercado para começar na poesia. Não fiz teste vocacional, muito menos perguntei aos meus pais o que achavam da idéia. A poesia é a necessidade de ouvir. Aprendi a falar aos 2 anos. Aprender a ouvir, ainda não tenho certeza. Talvez na velhice, mas aí não estarei ouvindo mesmo. Precisarei que as pessoas se aproximem bem perto de meus ouvidos como quem conta segredos.

O que me levou à poesia foi a insatisfaçào orgânica com a própria satisfação. A gente procura o amor pelo excesso. Não queremos concluir nada: um livro, uma paixão, um filme, uma música. Queremos o desejo de estar sendo. Eu sou poeta pela absoluta incompetência de ser outras profissões. O poeta é todos quando ninguém.

Quando pequeno, meu pai me levava para a sinfonia das árvores em frente de casa, em noites cheias de vento. Ele levantava a cabeça para ouvir melhor. Ele levantava a cabeça ao escrever, não baixava como o normal. Enquanto ele anotava, eu ficava intrigado: será que meu pai está plagiando as árvores?

Minha mãe não era diferente. Um dia eu a vi escrevendo no avental. Não achava folhas e assinou um longo poema no avental. Sabe o que significa a um menino chegando com bola debaixo do braço, fedido de mato, enxergar a mãe redigindo em um pano? Tudo.

A escrita é linha de costura. Mas uma costura por dentro. Ninguém enxerga os pontos. O sangue não cicatriza, porque ele é a própria ferida andando de um lado para o outro, aumentando a insegurança do corpo. Eu apenas sei escrever na insegurança do corpo.

Já adolescente, uma cigana me olhou, pegou minha mão como quem descasca uma fruta e avisou: "queres crescer, menino, precisas deixar espaço vazio aí dentro". Juro que me assustei. Depois fui descobrir que escrever é se esvaziar. O autor que desaparece no leitor realmente escreve. O autor não existe. Quem existe é seu desejo.

Pensei que o alfabeto fosse o mundo. Não, o alfabeto é a procura do mundo. A poesia é a procura do alfabeto. Quem diz que encontrou, somente desistiu primeiro.

Escrever não é acariciar com as mãos, é acariciar com os pés. Tudo o que se vive não se repete. Nem na imaginação se repete. Recordar é inventar.

carpinejar é poeta e jornalista
( revista poesia sempre no. 18, set/04 - publicação da biblioteca nacional)

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Para sofrer o menos possível, é preciso aceitar o que acontece e encontrar um equilíbrio novo. A vida é uma história de equilibrismo, que pode ser mais ou menos longa em função da sorte e do talento de cada um. Só não anda na corda bamba quem já morreu.

betty milan

segunda-feira, 2 de junho de 2008

A pé e de coração leve
eu enveredo pela estrada aberta,
saudável, livre, o mundo à minha frente,
à minha frente o longo atalho pardo
levando-me aonde eu queira.

Daqui em diante não peço mais boa sorte,
boa sorte sou eu.
Daqui em diante não lamento mais,
não transfiro, não careço de nada;
nada de queixas atrás das portas,
de bibliotecas, de tristonhas críticas;
forte e contente vou eu
pela estrada aberta.


walt whittman