Nós mudamos de Aurora para Fortaleza num caminhão. A família inteira na boléia, e as coisas, os teréns atrás, na carroceria. Quando chegamos naquela cidade grande, meu pai saiu comigo e com meu irmão Marçal para ver vitrine. Estava muito calor, a gente pediu para beber água, e ele, que tinha muita necessidade de controlar dinheiro, entrou num restaurante e voltou com um copo cheio de gelo, que era coisa que a gente não conhecia lá em Aurora. Trouxe o copo cheio de gelo, e a gente ficou chupando gelo na calçada, e vendo as vitrines.
Meu pai era mais racional. Mas minha mãe era emoção o tempo todo. Era como se ele fosse o intelecto, e ela a emoção. Às vezes ela chegava, abraçava a gente e, sem que a gente soubesse porque, saía chorando. Herdei um pouco isso dela, às vezes choro assim, do nada. Não adiantava a gente perguntar por que chorava. Sempre dizia que não era nada, que não tinha explicação. Muito tempo depois, quando, depois de morar muito tempo na Itália, passei uns dias em Fortaleza, relembrando coisas do passado, repeti a pergunta: Venha cá, por que, quando a gente era pequeno, a senhora começava a chorar, assim do nada? Ela então disse: Não era por nada não, era só porque eu nunca pensei que fosse ser tão feliz.
A relação de meu pai e minha mãe era muito forte. Muito profunda. Percebi isso desde pequeno. Às vezes ia com meu pai esperar a minha mãe, e lembro de ele dizer para mim: Lá vem sua mãe, toda linda e faceira. Era legal ouvir o pai dizer isso da mãe. Isso, essa maneira como meu pai via minha mãe, me ajudou a perceber que as pessoas precisam saber apreciar e enxergar a beleza fora de si.
o calor da tela - pedro jorge de castro - cineasta
Um comentário:
uma das coisas mais lindas que já li.
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