quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Coragem não é a ausência do medo. É a capacidade de superá-lo, quando ele existe, por uma vontade mais forte e mais generosa. Já não é (ou já não é apenas) fisiologia, é força de alma, diante do perigo. Já não é uma paixão, é uma virtude, e a condição de todas. Já não é a coragem dos durões, é a coragem dos doces, e dos heróis.

A coragem é o contrário da covardia, decerto, mas também da preguiça ou da frouxidão. É a mesma coragem, nos dois casos? Sem dúvida não. O perigo não é o trabalho; o medo não é o cansaço. Mas é preciso superar, nos dois casos, o impulso primeiro ou animal, que preferiria o repouso, o prazer ou a fuga.

A coragem não é ausência de medo. É a capacidade de enfrentá-lo, de dominá-lo, de superá-lo, o que supõe que ela existe ou deveria existir.

Não é um saber, mas uma decisão. Não é uma opinião, mas um ato. É por isso que a razão aqui não basta. Toda razão é universal; toda coragem, singular. Toda razão é anônima; toda coragem, pessoal. É por isso, aliás, que é preciso coragem para pensar, às vezes, como é preciso para sofrer ou lutar, porque ninguém pode pensar em nosso lugar - nem sofrer em nosso lugar, nem lutar em nosso lugar -, e porque a razão não basta, porque a verdade não basta, porque é necessário ainda superar em si tudo o que estremece ou resiste, tudo o que preferiria uma ilusão tranquilizadora ou uma mentira confortável. Daí o que chamamos de coragem intelectual, que é a recusa, no pensamento, de ceder ao medo, a recusa de se submeter a outra coisa que não a verdade, à qual nada assusta e ainda que ela fosse assustadora.

É também o que chamamos lucidez, que é a coragem do verdadeiro, mas a que nenhuma verdade basta. Toda verdade é eterna; a coragem só tem sentido na finitude e na temporalidade - na duração. E é por isso que precisamos de coragem. Coragem para durar e aguentar, coragem para viver e para morrer, coragem para suportar, para combater, para enfrentar, para resistir, para perseverar.

A coragem só continua como uma duração sempre incoativa do esforço, como um começo sempre recomeçado, apesar do cansaço, apesar do medo. "É preciso, pois, sair do medo pela coragem", dizia Alain. O medo paralisa, e toda ação, mesmo de fuga, furta-se um pouco a ele. A coragem triunfa sobre o medo, pelo menos tenta triunfar, e já é corajoso tentar. Qual virtude, de outro modo? Qual vida? Qual felicidade? Um homem de alma forte, lemos em Spinoza, "esforça-se por agir bem e manter-se alegre"; confrontado com os obstáculos, que são muitos, esse esforço é a própria coragem.

Como toda virtude, a coragem só existe no presente. Querer dar amanhã ou outro dia não é ser generoso. Querer ser corajoso na semana que vem ou daqui a dez anos não é coragem. Ela sempre está ligada à vontade, muito mais do que à esperança. Só esperamos o que não depende de nós; só queremos o que depende de nós.


A esperança, de fato, fortalece a coragem. Mas é necessário ser corajoso, sobretudo, quando falta esperança. O verdadeiro herói será aquele que for capaz de enfrentar não apenas o risco, que risco sempre há, mas, se preciso, a certeza da morte ou, mesmo, pode acontecer, da derrota final. É a coragem dos vencidos, que não é menor, quando estes a têm, nem menos meritória do que a dos vencedores. Que podiam esperar os insurretos de Varsóvia? Nada para eles mesmos, pelo menos, e por isso mesmo sua coragem foi ainda mais patente e heróica. Por que combater então? Porque é preciso. Porque o contrário seria indigno. Ou pela beleza do gesto.


(andré comte-sponville - pequeno tratado das grandes virtudes)

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